A experiência sociológica do Fliperama de Boteco.

Kruppa
4 min readMay 26, 2023

Imagem promocional do game “Cadillacs and Dinossaurs” — CAPCOM — 1993

Recentemente, fui transportado de volta a uma época nebulosa da minha vida: a era do FLIPERAMA DO BOTECO DO SEU JOSÉ EXPERIENCE. Quando eu era apenas um garotinho, com uns dez anos ou até menos, eu já era fascinado por videogames, mas infelizmente não podia tê-los porque minha família era de baixa renda.

Nesse contexto, é importante entender que o casamento dos meus pais era extremamente conturbado, e meu pai costumava me usar como instrumento de troca em seus jogos cruéis com minha mãe. Sempre que surgia uma oportunidade de me afastar dela, ele a aproveitava. E, como se não bastasse, ele tinha alguns problemas sérios com consumo de álcool, o que garantia a permanência ali no balcão do seu Zé pro algumas horas.

Assim, era uma rotina constante ser levado pelo meu pai ao boteco do seu Zé, um bar meio decadente localizado na Vila Marcos Roberto, em Campo Grande. A atmosfera do lugar era meio sombria, com um banheiro equipado com uma daquelas privadas que pareciam ter sido retiradas do exército ou de algum país asiático, daquelas em que você precisa agachar para usá-las, o “Seu Zé” era um coroa, na época com 50 e poucos anos, baixo, careca com sotaque meio puxado, nunca soube de onde ele era, mais por suas características de fala, possivelmente do Nordeste, o bar era o térreo de um sobrado, onde o “Seu Zé” morava com a esposa e os filhos, quase em uma esquina, se me lembro bem, na rua Sol Nascente.

Enfim, para uma criança de oito anos, ver seu pai beber sozinho por horas a fio era um tédio imenso. No entanto, depois de algum tempo, seu Zé decidiu colocar dois fliperamas em um cantinho entre as prateleiras de cerveja. Talvez tenha sido por causa de seus próprios filhos, não tenho certeza, mas o fato é que aquilo me fascinou.

Para quem for Jovem, fliperama, ou Arcade (em Goiás chamam de TAITO) era isso, uma tela ligada a uma placa de Arcade a um Cartucho de jogo,se comprava créditos ou “vidas” por meio de Fichas de metal.

Uma das máquinas tinha um jogo famoso de pancadaria chamado Cadillacs and Dinossaurs, enquanto a outra era o primeiro Mortal Kombat. Desde o início, eu comecei a grudar nesses fliperamas, e para o meu pai era uma maravilha, pois ele podia beber mais tranquilamente enquanto eu me entretinha jogando.

Eu não era muito bom no Mortal Kombat, então eu passava a maior parte do tempo jogando Cadillacs and Dinossaurs. Com o passar do tempo, fui crescendo e as máquinas foram sendo substituídas, o que fez com que o lugar atraísse cada vez mais crianças e adolescentes maiores. No entanto, eu comecei a me destacar nos jogos.

Uma coisa que se tornou comum era enfrentar um menino mais velho no Street Fighter 2 ou no Samurai Shodown e, após vencer, receber ameaças de surra. Eu devia ter uns 11 anos na época, enquanto a turma que ameaçava tinha por volta de 16. Às vezes, eu vencia ciente de que levaria uns tapas, mas as vezes compensava a emoção de vencer, mesmo que você tivesse que entregar sua ficha, ou mesmo tomar uns petelecos.

Mas nesse período, a situação começou a piorar no bar Nhá-Nhá, que ficava ao lado do boteco, e o ambiente no local ficou mais pesado. Ao mesmo tempo, meu irmão, que já estava trabalhando, economizou dinheiro suficiente para fazer uma viagem ao Paraguai e comprar um Super Nintendo. Foi uma sensação indescritível, pois ele trouxe o Mortal Kombat II.

Naquela época, sem internet ou qualquer outra fonte de informação sobre os jogos, ter o Mortal Kombat II ali real e oficial era como ver a segunda vinda de Cristo, com isso e pressão da minha mãe sosseguei e virei o MAIOR NERDOLA de ficar em casa jogando, que dura até hoje. (Por isso eu nunca aprendi a jogar Mortal Kombat 3, sempre achei o sistema de kombo zoado e os Fatalitys eram todos uma merda).

Depois de maior, a cultura de fliperamas ainda resistiu um tempo, em Campo Grande existiu um arcade bem grande chamado “Brinks”, ponto de encontro da molecada, principalmente matando aula nas escolas centrais, a ficha lá era mais cara, porém o local era mais organizado e existia fliperamas mais modernos, como Soul Calibur ou The House of the Dead, porém a tecnologia seguiu seu caminho, e com a popularização do Computadores, as Lan-Houses ganharam espaço, e os fliperamas foram se tornando apenas uma memória ou hobby de saudosista, até a morte das lan-houses alguns anos depois.

A Brinks, na 13 de Maio, no Centro de Campo Grande, a foto é de algum momento dos anos 90.

É engraçado pensar que um dos meus hobbys principais, que é vídeo-game ter nascido de uma situação tão tóxica como ficar preso em um bar acompanhando seu progenitor que quer causar mal a sua mãe, porém creio que isso ajudou a moldar o que eu me tornaria, com gosto por joguinhos e tal.

Por fim, meu main sempre foi o Skorpion.

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Written by Kruppa

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