Certa vez, o escritor Albert Camus escreveu a seguinte afirmação:
Em todos os dias de uma vida sem brilho, o tempo nos leva. Mas sempre chega a hora em que temos de levá-lo. Vivemos no futuro: ‘amanhã’, ‘mais tarde’, ‘quando você conseguir uma posição’, ‘com o tempo vai entender’. Estas inconsequências são admiráveis, porque afinal trata-se de morrer. Chega o dia em que o homem constata ou diz que tem trinta anos. […] Pertence ao tempo e reconhece seu pior inimigo nesse horror que o invade. O amanhã, ele ansiava o amanhã, quando tudo em si deveria rejeitá-lo. Essa revolta da carne é o absurdo” O Mito de Sísifo p.28
Existir é uma condição complicada, pois estamos no dia a dia lutando com outras oito bilhões de pessoas, cada uma carregando sua própria conta de realidade, frustrações, amores e objetivos, e em meio a tanta dificuldade em somente existir com o mínimo de dignidade, é simples se questionar o porque devemos fazer o mesmo, não se entregar a inércia existencial, a ignorância ou mesmo morrer.
Ainda sobre a condição existencial, Nietzsche, que dizia que “os homens preferem o nada a nada querer” ainda se mostra relevante ao questionar o sentido de existir, e quando abordamos isso, devemos ter o direito de questionar a nossa vivência na crise do capitalismo, onde as diferenças sociais se tornam ainda mais absurdas e certas pessoas nunca terão a oportunidade de te ruma vida digna simplesmente porque o sistema não permite.
Creio que ainda sou privilegiado, por mais que ocupe uma função bastante mal remunerada para o meu conhecimento, minha dedicação e estudo, sei que estou melhor que a maioria das pessoas, que vivem tendo apenas a miséria como sua realidade, porém eu não posso falar por elas, não tenho a mesma vivência e não ousaria dizer que “sei como elas se sentem”, quando analiso diariamente a minha vida, ou como considero, o meu fracasso, tenho apenas o meu ponto de vista sobre o que vivi, minha história e minhas experiências, e como, a partir da minha história, posso dizer que as coisas não são justas.
Uma recordação que sempre tenho é quando fui aprovado em meu primeiro vestibular, eu oriundo de escolas públicas nunca fui muito motivado a fazer uma graduação, mas decidi e tentei, ao ver a aprovação fui contar para minha mãe, que me respondeu apenas com um “mas e ai, você vai parar de trabalhar para estudar?”, não que eu merecesse uma festa ou um tapinha nas costas, mas é assustador se compararmos com outras pessoas que tem toda uma formação que a qualifiquem para ocupar esses locais, que deveriam ser de todos, e como essas mesmas pessoas conseguem muitas vezes a melhor oportunidade por sua condição financeira permitir que se dediquem apenas a isso, ou até mesmo estudar para um concurso público, pois claramente, as melhores vagas são sempre ocupadas por pessoas que vieram de uma melhor renda.
E do mesmo modo, vejo centenas de pessoas queridas, dedicas e inteligente que não vivem, sobrevivem da maneira que dá pra tentar ter esse mínimo de dignidade, é cruel, é injusto e não deveria ser desse modo.
Estranho a mim mesmo e a este mundo, armado somente com um pensamento que se nega quando afirma, que condição é esta em que só posso ter paz deixando de saber e de viver, em que o pensamento da conquista se choca com os muros que desafiam seus assaltos. Querer é suscitar paradoxos. Tudo está arrumado para que nasça uma paz envenenada que a displicência, o sono do coração ou as renúncias mortais proporcionam” Camus — O Mito de Sísifo p.34
Essa condição análoga de vida, de sobreviver nos torna vítimas de nós mesmos, sendo nosso Ego (não o Ego relacionado ao Egocentrismo em si, mas as três condições, de Id. Ego e Superego) nos esmagando diariamente e fazendo-nos odiar cada parte de nós mesmos, é absurdamente tentador e irresistível se odiar, colocando a culpa de todas nossas mazelas em nós mesmos, eu mesmo, me odeio no sentido amplo da palavra, odeio minha condição de vida, odeio o que eu sou, porém tenho a racionalidade de saber que esse “ser mítico” que desejamos ser é completamente fictício e irreal para nossa condição existencial.
Porém, ainda seguindo Camus, O absurdo nos esclarece o seguinte ponto: não há amanhã. É preciso viver para isso. É daí que se pode extrair uma ética, uma maneira de viver em acordo com o absurdo. A revolta, a liberdade e a paixão são consequências diretas disso. A única realidade é a presença deste momento e nada mais. Nenhum eterno é possível ao homem que considera verdadeiramente o absurdo. Só se pode viver a esse custo.
Então, fechando a linha de pensamento baseado nas frustrações do dia a dia, digo a você, caro leitor, que mesmo com os perrengues de uma vida não privilegiada, vale a pena se rebelar e viver, considerando o seu tempo e seu modo, a vida em si não é fácil, nunca será, apenas uma pequena parcela da sociedade possui um conforto verdadeiro, o restante, como eu e possivelmente você, seremos sempre Working Class Heroes, e tentaremos, resistiremos, sangraremos mas não morreremos.
Lógica de uma vida totalmente impregnada de absurdo: o desenlace feroz de uma existência dedicada a alegrias sem futuro” Camus — O Mito de Sísifo p.89