
As vezes nos deparamos com alguns filmes que, em um primeiro momento, parecem inofensivos, porém com a passagem dos dias, começa a construir um Triplex em nossa cabeça, e você se pega pensando cada vez mais sobre a obra, e tendo cada vez mais interpretações novas sobre aquilo que foi adquirido durante a sessão de cinema, esse foi o meu caso com “A Ghost Story” de David Lowery.
Talvez pelo motivo de que, quando assisti o filme estava mais introspectivo e deprimido com os infortúnios da vida, o impacto que o filme causou pode ter sido intensificado, porém, mesmo com esse misto de sentimentos que estava no momento, não posso diminuir a obra em si.
Dá pra dizer, resumidamente, que “A Ghost Story” filme profundo e reflexivo que aborda temas como solidão, luto, término, ciclos e tempo de uma forma poética e inovadora. A história gira em torno de ”C” (não temos apresentação de personagens por nome) um homem que falece e se torna um fantasma que volta para sua antiga casa, para assistir à sua amada partir e seguir adiante sem ele, assim como toda a vida no mundo, isso causa aquele sentimento estranho de quando estamos em luto pela partida de alguém, nossa vida foi afetada, interrompida, mas o mundo segue normal, as pessoas continuam acordando cedo para trabalhar, pegando ônibus, comprando cigarros, tendo filhos, saindo a noite para se divertir e buscar sexo, mas para você, tido parou, e isso é absurdo.
A solidão é uma das principais temáticas do filme. O fantasma é mostrado completamente sozinho, sem nenhum tipo de conexão ou presença humana. É uma representação da solidão absoluta, uma vez que o personagem não tem mais ligação com o mundo dos vivos. Ele é uma alma perdida, presa no tempo, e sua solidão é reforçada pela forma como ele é mostrado — com uma lençol branco cobrindo o corpo, o que o faz parecer desumano e distante, em um primeiro momento até parece infantil, porém o aspecto introspectivo da obra dá certa poesia a alma coberta por um pedaço de tecido, observando tudo o que conhecia se esvair por meio de recortes quadrados nos olhos, inclusive, o filme não usa o formato widescreen, ele tem um enquadramento antiquado, que muitas vezes até faz parecer que a câmera usada para gravar o filme é uma das antigas Super8.
O luto é outro tema importante do filme. C é mostrado preso no tempo, estagnado por seu luto, por sua perda e sua incapacidade de seguir adiante. É uma representação do impacto emocional do término de uma relação e de sua vida, e como as pessoas precisam lidar com a dor e o luto para seguir em frente.
O “Fim” é outro tema central em “A Ghost Story”. A partida da amada é catalisador para a “Prisão” de C na casa em que viveu com M, sua ex namorada, onde ele pode apenas observar M seguir adiante.
Os ciclos são outro tema presente no filme. O fantasma é mostrado preso em um loop interminável, como se estivesse preso em um ciclo de solidão e saudade. É uma metáfora para como as pessoas às vezes se sentem presas em ciclos emocionais, sem saber como sair e seguir em frente, o tempo passa, outras pessoas moram naquela casa onde C ainda está preso por não superar seu luto, diversas famílias passam por ali durante a obra, inclusive, em uma das últimas sessões, há um monólogo de um personagem em uma festa, onde o mesmo aborda que todo o desenvolvimento, o sucesso, a evolução, as ideias e filosofia e a ciências que a humanidade desenvolveu nos longos dos anos, isso é ínfimo se comparado com o tamanho das coisas, a humanidade é um cisco perto da imensidão do Universo, e tudo o que temos, tudo que desenvolvemos, amamos, doutrinados há de acabar, seja por nós mesmos ou pelo próprio Universos, podendo até existir outras histórias, a qual seremos completamente esquecidos, no final, nada importa.
Por fim, o Tempo tem papel fundamental na obra, e esse tempo é relativo e pode servir como barreira para as pessoas, tal qual o fantasma, podem viver em loops intermináveis de solidão, saudades, ódio e outros sentimentos, e esses “loops” podem ser quebrados apenas por aqueles que o criaram, seja por superação ou auxílio de conexão humana, em seu tempo preso a seu loop, C apenas pode observar o tempo passar, e tudo o que conhece ser efêmero, dispensável, até mesmo a casa, as cidades, a humanidade, tudo caminha em rumo a mudanças a qual não podemos fazer absolutamente nada, o mundo não se lembrará de vocês, mesmo que você ainda esteja ali, preso em seu próprio ciclo.
O filme tem como sua música tema “I Get Overwhelmed” de autoria de Daniel Hart do projeto britânico Dark Rooms, a seleção de tema é acertada, pois a letra da música carrega os sentimentos já explorados na obra, como solidão, desespero, estagnação e os loops emocionais a qual ficamos presos.
Em resumo, “A Ghost Story” é um filme poderoso e reflexivo que explora questões universais sobre a solidão, o término e o tempo de uma forma única e poética. Ele é uma meditação sobre a natureza humana e como as pessoas lidam com as perdas e a solidão na vida. É um filme que certamente fará com que o espectador pense e reflita sobre questões profundas e significativas.
Nota: 4/5
