Pangloss poderia ser Coach.

Kruppa
4 min readSep 13, 2023

--

(Candido e Pangloss encontrando o velho Turco em seu Jardim)

Faz algum tempo, devido a algumas conversas que ando tendo com pessoas do meu círculo social, me lembrei da obra “Cândido, ou O Otimismo” de Voltaire, Voltaire escreveu essa obra durante o período iluminista, mais exatamente em 1759, a obra é uma sátira a filosofia Otimista, mais especificamente uma sátira do “Melhor dos Mundos” defendido por Leibniz.

Na obra, o mentor filosófico de Cândido (o protagonista) é Pangloss, Pangloss é um filosofo que serve como forma de sátira direta a Leibniz (pois é declaradamente seguidor de sua filosofia), que propunha um sistema filosófico-teológico baseado no otimismo, na crença do mundo como o melhor dos mundos possíveis, já que criado por Deus, a criatura perfeita. Esse idealismo é frequentemente contestado pelas mais absurdas e tenebrosas situações que recaem sobre as personagens de Voltaire, de uma maneira bastante simplista, nosso nariz e orelhas são ideais para segurar nossos óculos, existem para isso, temos duas pernas para vestir as calças, até mesmo a falácia de, que se existe um Vulcão perto de Lisboa (que causa o terremoto que destruiu a cidade em 1755) é porque, de todos os locais para o vulcão estar, no melhor dos mundos, Lisboa é o local correto.

Mas porque me lembrei de Cândido?

Recentemente, andei me deparando com conceitos utilitaristas da filosofia, esse utilitatismo é bastante semelhante ao otimismo de Leibniz, é utópico em relação a vida real e o uso do pensamento, o mundo não é bonito como tais metodologias propõem, desse modo acaba rolando uma estagnação de sentido, é como limitar sua visão sobre as coisas e como as coisas são simplesmente para encaixar em uma proposta, dentro desta crítica, podemos usar com base Hegel, que era ferrenho crítico do utilitarismo:

Hegel, filósofo alemão do século XIX, criticou severamente o utilitarismo, uma corrente filosófica que defende que a moralidade de uma ação deve ser julgada com base em suas consequências. Para Hegel, o utilitarismo é uma teoria simplista e superficial que não leva em conta a complexidade da natureza humana e da sociedade.

Uma das principais críticas de Hegel ao utilitarismo é que ele reduz a moralidade a uma questão de cálculo. Para o utilitarista, a moralidade de uma ação é determinada pelo seu impacto no bem-estar geral. No entanto, Hegel argumenta que o bem-estar geral é um conceito abstrato e subjetivo que não pode ser facilmente medido ou comparado. Como resultado, o cálculo utilitarista de consequências pode levar a resultados moralmente questionáveis.

Hegel também criticou o utilitarismo por ser uma teoria individualista. Para o utilitarista, o objetivo da moralidade é promover o bem-estar individual. No entanto, Hegel argumenta que o bem-estar individual está intrinsecamente ligado ao bem-estar coletivo. Como resultado, a moralidade deve ser concebida de forma holística, levando em conta o interesse de toda a sociedade, e não somente ao indivíduo ou um pequeno coletivo.

Não acho que o uso da filosofia deva somente para discutir as grandes desgraças da sociedade, dentro dessa proposta, é possível citar Marilena Chauí, a resposta à pergunta “O que é filosofia?” poderia ser: “a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.” (CHAUÍ, 2000) Ou seja, a filosofia não pode ser encarada como uma receita de bolo, que coloca preceitos a serem seguidos sem o devido questionamento da razão e aplicação desse pensamento no contexto em que se vive, o que, em si, já quebra a “filosofia coach”.

Filosofia Coach seria mais ou menos aquelas obras tipo “o que Platão ensina sobre o Mercado de Trabalho”, ou “Como fiquei rico lendo Aristóteles” ou algo “Como ser estoico me fez vencer no jogo do Tigrinho” que por muitas vezes banalizam o ator de questionar, colocando a filosofia como uma receita de bolo a ser seguida.

A filosofia clássica, que abrange os pensadores gregos e romanos antigos, é uma fonte rica de ideias e base de diversas ciências, ou mesmo utilização artística até os dias de hoje. No entanto, sua utilização de modo freestyle pode ser criticada por diversas razões.

Uma das principais críticas à utilização da filosofia clássica desta maneira é que ela é muitas vezes considerada irrelevante para o mundo moderno. Os problemas e preocupações dos filósofos clássicos podem parecer distantes e alienantes para os leitores modernos. Por exemplo, os gregos antigos se preocupavam com questões como a natureza do bem e do mal, a relação entre o corpo e a mente e a natureza do conhecimento. Essas questões são importantes, mas podem parecer abstratas e pouco relevantes para as preocupações cotidianas da vida moderna, como pressão do trabalho, desigualdade social, as mazelas do capitalismo tardio, entre outros perrengues que vivemos.

Outra crítica à utilização da filosofia clássica é que ela pode ser usada para justificar o status quo. Alguns filósofos clássicos, como Platão e Aristóteles, defenderam a ideia de uma sociedade hierárquica, com diferentes classes de pessoas com diferentes papéis e direitos. Essas ideias podem ser usadas para justificar desigualdades sociais e sistemas de opressão, não existe um local para a mulher na filosofia clássica, na verdade, para Platão e Aristóteles, a mulher era um erro de projeto, um descuido da natureza, pois para ser um ser humano completo, era necessário o esperma.

Dessa modo, toda essa argumentação escrita nesse texto não condena o otimismo, Leibniz ou a Filosofia Clássica, apenas condena a filosofia como uma receita a ser seguida sem o devido questionamento, que por sua vez é a base de qualquer pensamento filosófico, ou mesmo científico.

Se não questionarmos ou argumentarmos, será sempre o “Que será, será”.

(Um cover do Pixies com esse clássico não podia faltar né?)

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

--

--

Kruppa
Kruppa

Written by Kruppa

Introspectivo e sem Perspectiva nenhuma.

No responses yet

Write a response