The Network e o risco da apropriação do Discurso.

Kruppa
6 min readDec 11, 2019

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Em meu texto vou tentar criar um paralelo entre o filme jornalístico “The Network” de Sidney Lumet de 1976.

Peter Finch em Network 1979
Peter Finch

É sabido que discursos utilizados por meios de comunicação em massa tem seu peso social, e é um peso considerável, devido a velocidade de informação, uso de memes e redes sociais uma frase pode, por meio de segundos, se tornar viral e ecoar aos pontos mais distantes da sociedade conectada.

Se pegarmos por referência, Michel Foucault em A Ordem do Discurso (1999), “o discurso […] não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; […] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.”

Desse modo, um simples discurso é algo que se refere as nossas capacidades argumentativas em nosso locar no mundo, e se manifesta de modo interior e exterior, construindo um complexo de dados que ganha forma e pode ser moldado a partir de uma estrutura discursa, assumindo palavras ou discursos positivos quanto negativos, pois o mesmo são baseados em relação de desejo e poder.

Sobre o filme, ele tem como referência o livro anteriormente citado, “Ordem do Discurso” de Foucault, nele temos uma rede de televisão que luta contra baixas audiências, dívidas acumuladas e um inevitável processo de falência, dentro desse contexto de inevitável fracasso, e dentro desse turbilhão de problemas temos o protagonista: Howard Beale, Beale um dia foi o pivot da rede televisiva, considerado o homem mais importantes da estação, conhecido como “grand old man of news”, porém, devido a baixa audiência somado a sérios problemas familiares (a morte de sua esposa e a necessidade de educar seu filho sozinho) acaba por receber a notícia que, inevitavelmente, será demitido da emissora, e no desespero decide se suicidar ao vivo, e em sua bebedeira é motivado a isso, pois a situação absurda gera uma espetacularidade que conquista audiência, o que é bom para a reputação da rede de televisão.

Sem nada a perder, Beale vai até o estúdio, de copo de uísque na mão, ignorado pelo resto dos amigos, ali ele não existe, porém, ao anunciar sua intenção de se suicidar ao vivo, é notado, e retirado do local, porém, a chefe do departamento de produção vê naquilo uma oportunidade de um sucesso televisivo, e pede que Beale seja recolocado ao vivo, com o seguinte discurso:

“The american people are turning sullen. They’ve been clobbered on all sides by Vietnam, Watergate, inflation, depression. They’ve turned off, shot up, fucked themselves limp, and nothing helps.”

“O povo americano está ficando estressado. Eles foram derrotados por todos os lados pelo Vietnã, Watergate, inflação, depressão. Eles se desligaram, se foderam pra tudo e todos. (tradução direta do autor)

Desse modo, Beale, de modo raivoso, traz o momento mais marcante do filme, pois em sua fúria e frustração, Beale dispara, como um lider, a cobrar das pessoas ações diante das adversidades da vida, em seu discurso de “I’m Mad as Hell and I’m Gonna Take this Anymore” (eu estou muito irritado e não vou mais aceitar isso) dispara palavras de ordens e, de modo manipulativo, pede que as pessoas pessoas vão para as suas janelas e gritem sua frase I’m mad as hell and I’m not gonna take this anymore!”

A popularidade do chamado de Revolta de Beale tem efeitos, a frase “im mad as hell’ se fixou na cabeça do cidadão comum ao ponto de, baseado em suas palavras ter sido criado um Show, onde há um grupo terrorista chamado “Ecumenical Liberation Army, tal programa traz uma clara mensagem anti sistema, buscando o espetáculo da violência, fator tão amado e explorado pelos meios de mídia sensacionalistas, como, por exemplo, programas como Cidade Alerta criam uma expectativa na audiência somente para, ao final do programa, mostrar um corpo cravejado de balas, no chão sem dignidade alguma, com seu corpo amostra, aquilo é espetáculo de vingança do cidadão comum.

Após certo momento, o senhor capitalista do local, Artur Jensen, representando o sistema, traz as doces mentiras do capitalismo, que convencem a população que o discurso de Beale é vago, uma nadar fraco contra a maré do sistema, por fim esse mesmo sistema acaba eliminando Beale quando ele se torna incoveniente.

Avida de Beale acaba sendo lembrada como “This was the storie of Howard Beale. The first known instance of a man who was killed because he had lousy ratings.”

Numa sociedade produtora de discursos que funciona sob parâmetros de desejo e poder, a interdição da palavra é tida como parte estruturante nesta relação de controlo. Nas palavras do autor francês, a mais evidente, a interdição da palavra, é tomada como travão ao que se pode dizer: “não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 1999:9). Pela criação de tabus, através da interdição da palavra, chegamos aos procedimentos, que irão determinar vias e meios de «eficácia simbólica» (Debray, 2004:89). Torna-se evidente no nosso objecto de estudo, que a intenção de Beale, em transmitir o seu suicídio na televisão, é um corte com essa relação da interdição da palavra, que abala as estruturas da sociedade. O que não poderia ser dito e feito na televisão é transmitido para milhares de pessoas. Este modo de instituir as palavras como tabu, funciona de maneira a condicionar gestos de violência, algo que o corpo textual de Howard Beale tenta romper. Como tentarei identificar ao longo desta análise, este filme estabelece-se numa dissolução do que rege as práticas discursivas do jornalismo e todo a sua performance simbólica: A mediação de informação objectiva numa perspectiva imparcial, baseada em conceitos de verdade.

Retirado do excelente artigo de Ricardo Geraldes

O filme The Network, como um todo, retrata uma imagem de violência. Da violência inicial proposta pelo suicídio, à violência midiática do grupo terrorista que filma os seus próprios assaltos, a agitação incessante no aumento audiência, à violência da morte em direto de Howard Beale. Todo o filme coloca em perspectiva um certo cinismo na imagem de violência, regulada por desejos de poder.

Para o filósofo esloveno, Slavoj Zizek, o capitalismo é estruturante no estudo da violência na era “post-political-bio-politics” o predominante modo político contemporâneo que pôs de lado a luta ideológica e que se ocupa do “expert management” das populações e dos seus dados biológicos, assegurando a vida humana enquanto matéria-prima — “bio-politics” (Zizek, 2008:40).

Zizek, diferencia quatro tipos de violência. A violência simbólica, que está embebida na linguagem e suas formas, e não se elabora apenas no óbvio — casos de dominação social reproduzidas nos nossos formatos usuais de discurso; a violência “sistêmica”, ou a função suavizante do funcionamento político e econômico; a violência subjetiva que atua na perturbação do estado normal de coisas, experimentada face a um grau zero de violência: sobre os corpos disciplinados; e a violência objetiva, que é inerente a este estado “normal”, operando no invisível, e sustenta o grau zero de violência. (Zizek, 2008: 2)

Mas onde quero chegar com com esse paralelo?

Quem não se lembra de um programa da rede Bandeirantes chamado CQC?

Custe o Que Custar (mais conhecido pela sigla CQC) foi um programa de televisão humoristico brasileiro, de frequência semanal, produzido pela Eyeworks e exibido pela Rede Bandeirantes de 2008 a 2015, totalizando oito temporadas e 339 episódios. O formato é baseado no original argentino Caiga quien caiga, criado por Mario Pergolini e Diego Guebel em 1995, com sua primeira exibição no canal América TV. Composto de uma bancada com três apresentadores fixos e um time de repórteres, o programa trata os fatos políticos, artísticos e esportivos da respectiva semana, ocorridos no Brasil e no mundo, com pitadas satíricas e humorísticas, brincando com as informações. Suas reportagens, quando editadas, passam a ter efeitos gráficos e sonoros entre as matérias.

Do momento que o CQC impôs um sentimento de revolta vazio, onde acusações eram feitas, principalmente para candidatos de esquerda (quem não se lembra do Danilo Gentilli perseguindo o Tarso Genro com a piada sobre esquerdista não ter cérebro?).

Desse modo, essa revolta não direcionada foi uma base promissora para alguém que vendia os discursos vazios sobre se revoltar contra a sociedade corrompida e corrupta, evocando conceitos de família e religião, o jornalismo do CQC deu um grande impulso para o Governo Bolsonaro, alguns de seus membros de maneira mais explicita, como no caso de Gentilli, esse discurso de moralidade e revolta vazia não resolveu os problemas sociais do Brasil, tão pouco foi uma solução real para nossa corrupção, apenas a trocou de nome, com grupos de pessoas “mas as hell” nas ruas pedindo o retrocesso que o nosso louco pediu.

Seria o Bolsonaro um Howard Beale, mas desnorteado e maligno?

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